A maioria dos programas de “combate” à obesidade infantil incentiva as crianças a “fechar a boca e malhar”, ou seja, é a responsabilidade da criança reduzir o que ela come e aumentar exercício físico com a ajuda dos adultos ao seu redor. Podemos ver que essa abordagem não tem funcionado, surge também como uma das causas da obesidade infantil, e existem razões para isso.
A criança é vítima do seu meio ambiente. Vamos falar de prevenção e não “combate”
Primeiro precisamos parar de falar de “combate” à obesidade infantil e falar de prevenção. A noção de “combate” pressupõe que a criança obesa de alguma maneira tem uma responsabilidade na situação na qual se encontra. Existe uma estigmatização da criança obesa como sendo preguiçosa e sem nenhuma força de vontade ou disciplina. Isso prejudica muito essas crianças que na realidade estão presas num corpo que se adaptou ao meio ambiente no qual vivem, sem saber o que fazer para mudar a situação. Isso pode até levar essas crianças a sofrer bullying.
Fechar a boca e malhar não funciona
É claro que um mínimo de exercício físico é saudável, mas fazer dieta restritiva (fechar a boca) desregula o cérebro, aumenta o apetite, a obsessão por comer e o comer emocional. Também reduz o metabolismo. O seu cérebro percebendo uma falta de comida, começa a “economizar”. Esses efeitos são ainda mais fortes em crianças que estão em desenvolvimento. Em vez de ajudar a criança com restrições, você estressa o cérebro dela, levando à tristeza, depressão ou mesmo comer escondido, uma das causas da obesidade infantil. O comer escondido não é uma escolha dela, dá muita vergonha e isso é o começo de uma vida de compulsão e relação estragada com a comida, algo difícil de reverter. Hoje sabemos que quase todo transtorno alimentar começa com uma dieta restritiva. Então, basicamente, fazendo dieta a criança entra no caminho de engordar e/ou de desenvolver um transtorno alimentar.
Estudos mostram que adolescentes que fazem dietas aumentam em duas ou três vezes o risco de se tornar obesas quando comparados a outros que não fizeram restrições. Até mais preocupante é o fato do que mostraram um risco de desenvolver um transtorno alimentar aumentado em cinco vezes em caso de dietas restritivas moderadas. Um estudo mostrou que dietas severas (diminuindo calorias ou pulando refeições) aumentam em 18 vezes o risco de desenvolver transtornos alimentares em adolescentes. Na população geral, 95% dos que fazem dieta voltam a engordar em um prazo de 2 anos, muitas vezes para um peso maior ainda. Dos 5% que não engordam, mais do que a metade (3%) têm um transtorno alimentar. Ou seja, é normal fracassar na dieta!
A obesidade infantil é evitável
Apenas alguns casos são geneticamente inevitáveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é clara sobre isso: a obesidade é evitável, mas é difícil de tratar. Quando estudamos a genética da obesidade vemos que tem mais do que 500 fatores genéticos associados à obesidade. Todos nós temos um pouco de predisposição à obesidade! Quem puxa o gatilho é o seu meio ambiente, estilo de vida, e também o estresse psicológico, medicamentos, desregulamento de hormônios, falta de sono e muito mais. Não é só comer demais e ser preguiçoso!
Tentativas de tratamento com dietas, remédios e cirurgia, não têm dado resultados satisfatórios e têm muitos efeitos secundários. O corpo volta a engordar na maioria das vezes. Porque? Porque a obesidade é uma adaptação do corpo ao seu meio ambiente e quanto mais você agride o seu corpo, mas ele reage engordando!
Hoje está cada vez mais claro e comprovado que devemos enfatizar uma abordagem chamada “mindful eating” ou alimentação consciente. É uma forma compassiva e holística para conseguir-se uma alimentação saudável. Não somente foca nos alimentos que comemos, mas também como comemos e como nosso corpo se sente. Devemos respeitar a fome e prestar atenção à fome e saciedade, conexões emocionais com a comida e os relacionamentos envolvidos em comer. Essa alimentação consciente concentra-se em aspectos positivos e não negativos.
Causas da obesidade infantil – diga não às dietas em crianças
Devemos urgentemente parar de incentivar dietas, é uma questão de saúde pública! Há muitos anos que sou ativista contra dietas restritivas, especialmente em crianças. Fui até chamada na Câmara dos Deputados em outubro de 2013 para participar de um seminário sobre obesidade infantil e meu tema foi “O papel da alimentação no combate a obesidade infantil”. Me coloquei como defensora da criança que é muito mais vítima do que culpada dessa dificuldade do excesso de peso.
Ainda em 2013 fui convidada a fazer um TEDx sobre o assunto e chamei a palestra do “O peso das dietas”. Logo me deparei que não adianta falar sobre crianças se você não muda as crenças dos pais. Finalmente, aceitei uma proposta para escrever um livro “O peso das dietas” para alertar os adultos e desse jeito conseguir ajudar as crianças. Lancei o livro em 2014 e se tornou um best-seller!
Uma notícia sensacional do final de agosto de 2016 foi a decisão da Academia Americana de Pediatria (AAP) de lançar novas diretrizes recomendando a prevenção conjunta da obesidade e de transtornos alimentares em adolescentes. Eles estabelecem de maneira clara que a dieta restritiva é um fator de risco tanto para obesidade, quanto para transtornos alimentares. “O foco deve ser num estilo de vida saudável ao invés de peso” SIM!!
Copio aqui uma tradução das principais recomendações da AAP a pediatras, que são principalmente direcionadas aos pais como agentes de mudança. Pais são incentivados a ser modelos saudáveis, que fornecem acesso fácil a alimentos saudáveis, limitam a disponibilidade de bebidas doces (seja com açúcares naturais ou adoçantes artificias) e oferecem refeições “caseiras” para os filhos. Pais devem ativamente desencorajar dietas. O documento concluiu com diretrizes para a prevenção da obesidade e transtornos alimentares em adolescentes:
- Desencorajar dietas, pular refeições ou remédios. Incentivar uma alimentação saudável e atividade física que pode ser mantida no longo prazo. Procurar um estilo de vida e hábitos saudáveis em vez de focar no peso.
- Promover uma imagem corporal positiva nos adolescentes. Não encorajar insatisfação com o corpo ou usar essa insatisfação como uma razão para fazer dieta.
- Procurar ter mais refeições em família.
- Incentivar as famílias a não falar sobre o peso, mas a falar de alimentação saudável e de ser ativo para se manter saudável. Facilitar alimentação saudável e atividade física em casa.
- Informar-se sobre uma possível história de bullying e intimidação em adolescentes com sobrepeso e obesidade e abordar a questão em família.
Ninguém sabe melhor do que seu filho o que precisa comer. Ele é dono da sua fome. Não restrinja o seu filho! Respeite a fome do seu filho!
Veja aqui: Reference: Golden N, Schneider M, Wood C (2016). Preventing Obesity and Eating Disorders in Adolescents. Pediatrics: published online August 22, 2016.
Agora que você já leu mais detalhes sobre as causas da obesidade infantil e dietas restritivas, aproveite e veja também:
2 Comentários. Deixe novo
Sophie, boa noite!
Meu filho de 12 anos sofre com o excesso de peso (concentrado na região abdominal) desde muito cedo. A primeira indicação de dieta foi aos 6 meses de vida,!!! Absurdo!! Sempre cuidei muito da alimentação em nossa casa, ele sempre foi uma criança ativa .. mas a barriguinha sempre esteve lá. Até pouco tempo,cseus exames clínicos eram ótimos, mas agora triglicérides e insulina estão muito altos. De verdade não sei mais o que fazer. Após anos de consultas e opiniões diferentes, a conclusão é que o metabismo dele é muito lento : ( O último médico passou uma fórmula fitoterápica para acelerar o metabolismo ( em conjunto com a dieta), mas estou muito receosa . São anos de luta, sem resultados positivos. Os médicos não acreditam em mim quando falo que nossa alimentação é boa … De verdade, não sei mais o que fazer 😞
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